Acordo UE-Mercosul: uma oportunidade de cooperação, não de confronto
Tratado representa via de complementaridade, e não de ameaça, beneficiando especialmente a Europa nos setores de maior valor agregado
Em tempos de tensões comerciais e incertezas geopolíticas, a ratificação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul surge como uma rara oportunidade de avanço mútuo. Estive recentemente em meio a produtores rurais europeus, sobretudo franceses, que expressaram preocupações legítimas quanto à abertura de seus mercados aos produtos sul-americanos.
Quero, portanto, apresentar uma reflexão serena, técnica e prospectiva: não há confronto inevitável entre nossos sistemas produtivos — há, sim, uma complementaridade estratégica.
O que o Mercosul tem a oferecer ao mercado europeu são, em sua maioria, commodities agrícolas com baixo valor agregado, como grãos, carnes in natura e açúcar. Esses produtos não competem diretamente com os alimentos industrializados e de alto valor agregado produzidos na Europa, muitos deles com identidade geográfica protegida, tradição cultural e nichos de consumo consolidados. Pelo contrário: as commodities sul-americanas podem ser insumos para a sofisticada indústria agroalimentar europeia, permitindo que produtores franceses, italianos, espanhóis e alemães transformem soja, milho ou carnes em alimentos processados, ração animal, cosméticos e bioprodutos com alto valor agregado e grande margem de comercialização.
Enquanto isso, a indústria europeia, altamente desenvolvida em tecnologia, máquinas, farmacêuticos, produtos químicos e serviços especializados, encontrará no Mercosul um mercado gigantesco, ávido por inovação e com baixa competitividade industrial. Ao contrário do que muitos temem, a Europa encontrará no bloco sul-americano um parceiro comercial complementar e não concorrente direto.
Vale lembrar que o acordo trará avanços concretos em termos de previsibilidade regulatória, proteção à propriedade intelectual, cooperação ambiental e acesso a mercados públicos — áreas em que a União Europeia detém clara vantagem competitiva.
Portanto, resistir ao acordo sob o argumento do protecionismo agrícola é perder de vista o ganho sistêmico da integração comercial, tanto para a economia europeia quanto para a sul-americana.
O Mercosul precisa da Europa, sim. Mas, sejamos francos: a Europa também precisa do Mercosul, especialmente diante de um mundo cada vez mais polarizado, com riscos crescentes de guerras comerciais e rupturas nas cadeias globais de suprimentos.
É hora de transformar desconfiança em parceria e competição em colaboração. O acordo UE-Mercosul é, acima de tudo, um instrumento de estabilidade, segurança e prosperidade mútua — e não um jogo de soma zero.

Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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