Ficaria, dessa forma, proibida a carne animal cultivada em laboratório sob qualquer técnica e seus subprodutos; “Tal medida é necessária para proteger a indústria pecuária nacional, que é uma das mais importantes do país, gerando milhões de empregos e sendo responsável por uma parcela significativa do PIB”, afirma o autor do projeto.
A crescente onda da “carne cultivada em laboratório” tem trazido grandes preocupações, já que esse tipo de “carne”, também chamada de sintética, cultivada, carne de laboratório ou carne de cultura, é produzida pela reprodução in vitro de células de animais — o produto final, portanto, não requer criação e abate de gado. Diante de tal situação, o Deputado Federal Tião Medeiros (PP-PR) protocolou na Câmara um projeto o PL 4616/2023 onde, se aprovado, fica proibida a pesquisa privada, produção, reprodução, importação, exportação, transporte e comercialização de carne animal cultivada em laboratório sob qualquer técnica e seus subprodutos.
Para fins desta Lei, entende-se por “carne animal cultivada” qualquer produto alimentício de origem animal obtido através de técnicas de cultura celular ou sintética, sem o abate do animal. De acordo com o parlamentar, a medida é necessária para “proteger a indústria pecuária nacional”.
Segundo o parlamentar, países como o Brasil, que tem uma grande quantidade de gado, podem ser ameaçados pelo desenvolvimento desse tipo de carne. Em 2022, o rebanho bovino cresceu pelo quarto ano consecutivo e alcançou novo recorde da série histórica, segundo a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), divulgada pelo IBGE. O crescimento de 4,3% fez o número de cabeças chegar a 234,4 milhões, quantidade superior ao da população humana no país.
Em um movimento de mesmo cunho, com o apoio da cadeia produtiva da carne no Paraguai, os deputados sancionaram a algumas semanas o projeto de lei “que proíbe a produção, importação e comercialização de carne cultivada em laboratório para consumo humano em todos os tipos de carne de origem animal”.
Considerado o “alimento do futuro”, a proteína cultivada é desenvolvida por 156 empresas no mundo, e recebeu, até o ano passado, investimento total de US$ 2,8 bilhões – valor que deve ultrapassar os US$ 20 bilhões em 2030, de acordo com o The Good Food Institute (GFI).
Para o deputado Tião Medeiros, no entanto, países com grandes rebanhos de gado, como o Brasil, estão ameaçados pelo desenvolvimento da carne cultivada em laboratório. Medeiros afirma que a pecuária, considerada por ele como um dos pilares econômicos do país, será desestabilizada pela nova indústria. Empregos, exportações e a arrecadação com tributos cairão, de acordo com o parlamentar.
Entram na conta do deputado as empresas familiares, que supostamente serão quebradas, e até o churrasco brasileiro, símbolo da “cultura e da identidade nacional”. Empresas que violarem a lei proposta por Medeiros, pagarão multas de R$ 1 milhão a R$ 10 milhões, além de terem destruídos todos os produtos, maquinários, amostras e materiais genéticos de pesquisa.
A JBS, por exemplo, uma das lideranças do agronegócio mundial, já investiu mais de US$ 100 milhões no desenvolvimento de proteína cultivada no Brasil e na Espanha. Neste ano, a companhia anunciou a criação de um centro de pesquisa direcionado em Florianópolis (SC) e vai investir US$ 22 milhões na unidade até o ano que vem.
Justificativa do projeto de lei que visa proibir carne cultivada em laboratório no Brasil
O presente Projeto de Lei tem como objetivo proibir a pesquisa privada, produção, reprodução, importação, exportação, transporte e comercialização de carne animal cultivada em laboratório no Brasil. Tal medida é necessária para proteger a indústria pecuária nacional, que é uma das mais importantes do país, gerando milhões de empregos e sendo responsável por uma parcela significativa do PIB.
Em um mundo cada vez mais voltado para a inovação e a tecnologia, a carne cultivada em laboratório tem sido saudada como a próxima grande revolução alimentar. Mas para países com grandes rebanhos de gado, como o Brasil, essa “revolução” pode ser mais uma ameaça do que uma oportunidade. É crucial entender os riscos associados a essa nova forma de produção de carne e como ela pode afetar não apenas a economia, mas também a saúde pública e a empregabilidade, justifica o autor da proposta.
A carne cultivada ainda não foi submetida ao mesmo rigoroso escrutínio e regulamentação que a carne convencional. Isso levanta questões sobre sua segurança, especialmente quando se trata de contaminação e doenças transmitidas por alimentos. Finalmente, há a questão da soberania alimentar. A produção de carne cultivada é altamente centralizada e dependente de tecnologia avançada, tornando os países dependentes de um pequeno número de grandes empresas. Isso coloca em risco a segurança alimentar e a independência de nações inteiras.
Entidades e pesquisadores são contra e dizem que é censura a ciência
O Good Food Institute (GFI), entidade que promove alternativas a proteínas animais, afirma que a proposta do deputado é uma tentativa de “frear a inovação através de argumentos infundados e que contrariam a própria ciência”. A proteína cultivada, diz o GFI, é uma diversificação do agronegócio e não sua substituição.
“As proteínas alternativas (plant-based, cultivadas e obtidas por fermentação) poderão representar entre 11% a 22% do mercado global de carnes até 2035. Proibir que as empresas desenvolvam pesquisas em solo nacional não impedirá que as mesmas o façam em outro país, apenas inviabilizará o desenvolvimento da cadeia de produção da carne cultivada, a geração de novos empregos no Brasil e o direito dos consumidores terem mais opções no prato”, disse o GFI em nota.
A Embrapa, companhia pública vinculada ao Ministério da Agricultura, lidera estudos públicos para o desenvolvimento de carne de frango cultivada em laboratório. De acordo com o órgão, é somente através de pesquisa e inovação que a sociedade poderá mitigar os problemas da fome e da demanda crescente por alimento nos próximos anos.
Pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves, Ana Paula Bastos afirma que proposta em tramitação na Câmara é uma tentativa de “censurar a ciência brasileira” e bloquear a inovação com argumentos que contrariam a ciência e instituições importantes como o departamento para Alimentação e Agricultura da ONU.
“É, portanto, de grande importância prosseguir a investigação e desenvolvimento de métodos alternativos para a produção destes produtos. As maiores esperanças de uma alternativa à agricultura industrial e seus problemas associados residem na carne cultivada”, disse a pesquisadora.