Peixe pré-histórico permanece com anatomia inalterada há 65 milhões de anos
Pesquisadores de Brasil e EUA reanalisaram a musculatura do celacanto e fizeram descobertas sobre a espécie considerada um “fóssil vivo”
O celacanto é conhecido como “fóssil vivo”, uma vez que sua anatomia pouco mudou nos últimos 65 milhões de anos. Apesar de ser um dos peixes mais estudados da história, ele ainda reserva surpresas que podem mudar a própria compreensão da evolução dos vertebrados.
É o que revela estudo publicado na revista por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Smithsonian Institution, nos Estados Unidos.
Num novo exame da musculatura craniana do celacanto africano (Latimeria chalumnae), os autores fizeram descobertas que demonstraram que apenas 13% das novidades evolutivas musculares previamente identificadas para as maiores linhagens de vertebrados estavam corretas.
Ao mesmo tempo, o estudo identificou nove novas transformações evolutivas relacionadas a inovações na alimentação e respiração desses grupos.
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“Em última instância, ele é ainda mais similar aos peixes cartilaginosos [tubarões, raias e quimeras] e tetrápodes [aves, mamíferos, anfíbios e répteis] do que se pensava. E ainda mais distinto dos peixes de nadadeira raiada, que são cerca de metade dos vertebrados viventes”, conta Aléssio Datovo, professor do Museu de Zoologia (MZ-USP).
Descoberta sobre os músculos
Dentre as novidades evolutivas apontadas erroneamente como presentes nos celacantos, estão músculos responsáveis pela expansão ativa da chamada cavidade bucofaringeana, que vai da boca à faringe.
Esse conjunto de músculos está diretamente relacionado à captura de alimento e à respiração. Porém, o estudo demonstrou que esses supostos músculos em celacantos eram, na verdade, ligamentos, estruturas incapazes de contração.
Os peixes de nadadeira raiada (actinopterígeos) e os de nadadeira lobada (sarcopterígeos) separaram-se de um ancestral comum cerca de 420 milhões de anos atrás. Os sarcopterígeos incluem peixes como o celacanto e os peixes pulmonados, mas também todos os outros tetrápodes, pois evoluíram de um ancestral aquático: mamíferos, aves, répteis e anfíbios.
Nos peixes de nadadeira raiada, como as carpas de aquário, por exemplo, é fácil notar que a boca se desloca de tal forma a sugar os alimentos. Essa capacidade deu ao actinopterígeos uma imensa vantagem evolutiva, tanto que hoje eles compõem cerca de metade de todos os vertebrados viventes.
Essa é uma diferença fundamental para os demais peixes, como o celacanto e os tubarões, por exemplo, que se alimentam primordialmente mordendo as presas.
“Nos estudos anteriores, era dado que esse conjunto de músculos que daria maior capacidade de sucção estava presente também nos celacantos e, portanto, teria evoluído no ancestral comum dos vertebrados ósseos, o que mostramos agora não ser verdade. Isso só surgiu pelo menos 30 milhões de anos depois, no ancestral comum dos peixes de nadadeira raiada viventes”, aponta Datovo.
Descoberta rara
Os celacantos são peixes extremamente raros de se encontrar na natureza, uma vez que vivem cerca de 300 metros abaixo da superfície da água e passam o dia dentro de cavernas submarinas.
Parte da explicação para ter mudado tão pouco desde a extinção dos dinossauros é justamente essa: sem predadores, num ambiente relativamente protegido, as alterações no seu genoma foram lentas, como mostrou estudo de 2013 publicado na revista Nature.
Há cerca de 400 milhões de anos na Terra, os celacantos eram conhecidos primeiro apenas por fósseis. Somente em 1938 foi encontrado um animal vivo, para espanto dos cientistas. Em 1999, outra espécie foi descrita (Latimeria chalumnae) nos mares da Ásia.
Dada a raridade de exemplares presentes em museus, os pesquisadores da USP e do Museu Nacional de História Natural, da Smithsonian Institution, tiveram de ser perseverantes para conseguir que alguma instituição cedesse animais para serem dissecados.
Finalmente, o Field Museum, de Chicago, e o Virginia Institute of Marine Science, ambos dos Estados Unidos, concordaram em emprestar um exemplar cada. O mérito por ter conseguido o empréstimo, segundo Datovo, é de G. David Johnson, coautor do artigo.