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Pesquisadores querem ‘adestrar’ abelhas-sem-ferrão para polinizar cacau

Polinização com insetos treinados pode triplicar a produção em comparação a plantios sem intervenção, projetam pesquisadores

Pesquisadores querem ‘adestrar’ abelhas-sem-ferrão para polinizar cacau

Polinização com insetos treinados pode triplicar a produção em comparação a plantios sem intervenção, projetam pesquisadores

abelhas-sem-ferrão

Pequenas e frágeis, as flores de cacau são polinizadas manualmente por produtores rurais em várias plantações pelo Brasil. Durante o processo, é preciso manusear cuidadosamente as flores, coletar o pólen com ajuda de uma pinça ou de um pincel, e aproximar da parte reprodutora feminina de outra planta.

O procedimento deve ser feito pela manhã, quando a fertilidade das flores está no auge. Nesse processo, flores podem cair e outras não serem fecundadas. Por isso, investir em um polinizador profissional pode ser a chave para garantir melhores resultados.

“A polinização manual é bastante trabalhosa e tem um custo elevado, então tivemos a ideia de estudar abelhas, que são polinizadoras viáveis para o tamanho das flores de cacau”, comenta a bióloga Camila Maia.

Ela e outros especialistas da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Tecnológico Vale (ITV) Desenvolvimento Sustentável, em Belém (PA), planejam “adestrar” abelhas brasileiras sem-ferrão para polinizar as flores do cacau. Entre as mais de 180 espécies que existem na região amazônica, onde a planta é cultivada, 52 têm o tamanho ideal para serem polinizadoras.

O método pode triplicar a produção do cacau onde é feita, quando comparado a plantios sem intervenção humana. A expectativa dos pesquisadores é de que a polinização assistida feita por abelhas treinadas aumente o cultivo de forma significativa.

Moscas das famílias Ceratopogonidae e Cecidomyiidae são consideradas as principais polinizadoras do cacau, com base em registros desses insetos visitando as flores. Com cerca de 3 milímetros (mm) de comprimento, aproximadamente cinco vezes menores que as flores do cacau, elas conseguem chegar aos órgãos reprodutores inacessíveis a insetos maiores.

Segundo o botânico José Rubens Pirani, do Instituto de Biociências (IB) da USP, sabe-se muito pouco sobre a polinização natural das flores de cacau, quando se compara com estudos sobre outras espécies frutíferas brasileiras. A dificuldade acontece justamente por conta do tamanho das flores, que têm entre 10 e 15 mm de diâmetro.

“É desafiador porque, além de pequena, a flor do cacau tem uma estrutura arquitetônica muito complexa”, comenta Pirani. Os órgãos reprodutores dessas flores estão protegidos por estruturas que atuam como barreiras e dificultam a chegada de polinizadores tanto até o pólen quanto ao estigma, que conduz aos ovários.

As moscas, aparentemente, não são eficientes no trabalho de polinização. “Alguns estudos já observaram que esses insetos carregam muito pouco pólen quando visitam as flores de cacau”, afirma a bióloga Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca, da USP, coautora do estudo e referência no estudo de abelhas.

Outra limitação das moscas diz respeito aos seus hábitos. “São mais ativas à noite e ao amanhecer, enquanto as abelhas trabalham durante o dia, principalmente de manhã”, comenta o biólogo Michael Hrncir, do Laboratório de Fisiologia Ambiental de Abelhas do IB-USP, outro coautor. “A parte feminina das flores têm sua fertilidade máxima pela manhã, até a hora do almoço.”

Segundo o pesquisador, as abelhas são atraídas para as flores pelo cheiro. “A ideia é treiná-las, associando o perfume da flor do cacau a uma recompensa para que elas busquem o pólen e fertilizem outras plantas”, conta Hrncir. “Não basta colocar as abelhas onde está o cacau, é preciso ensiná-las a trabalhar ali.”

A ideia de cooptá-las para incrementar a produtividade do cacau é inspirada em exemplos que já existem de treinamento de abelhas-africanas com ferrão (Apis mellifera). Na Argentina, o biólogo Walter Farina, da Universidade de Buenos Aires, apresentou em 2022 resultados positivos de polinização assistida em plantações de maçãs e peras. No Brasil, há aplicações similares em cultivos de soja, diz Imperatriz-Fonseca. O grupo espera pôr em prática o treinamento das abelhas nas plantações de cacau em breve.

Para Pirani, há muito trabalho pela frente. “Não existe comprovação de que elas atuarão efetivamente como polinizadoras; o fato de as abelhas visitarem as flores não garante que elas depositarão o pólen na parte feminina da flor e que isso vai gerar fecundação e produção de frutos”, afirma.

Imperatriz-Fonseca é otimista: “Tem muita chance de dar certo”. Outra vantagem do projeto, segundo ela, diz respeito à adaptação às novas condições impostas pela crise climática. “No futuro, a polinização será assistida em boa parte dos cultivos, porque o impacto do clima sobre a distribuição de abelhas é tão grande que o número de espécies vai diminuir”, afirma.

“Essas menores terão mais chance de aguentar o calor porque seu sistema de termorregulação é diferente daquele das abelhas maiores, essenciais na produtividade de muitas plantas usadas como alimento.” conclui


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