Tarifas dos EUA aceleram clima favorável para acordo Mercosul-União Europeia
Com ambiente global mais protecionista, europeus ganham incentivo para selar pacto com o bloco sul-americano; presença de Lula na França pode destravar impasse político
A recente onda de medidas tarifárias adotadas pelos Estados Unidos reacendeu a urgência de reconfigurações nas cadeias globais de comércio — e o acordo entre Mercosul e União Europeia, há anos em compasso de espera, pode finalmente sair do papel. Diante da escalada protecionista norte-americana, que ameaça produtos europeus com tarifas de até 50%, ganha força a lógica de diversificação de mercados e alianças comerciais por parte da Europa.
A União Europeia, ciente dos riscos geopolíticos e econômicos desse novo cenário, já deu um importante passo ao aprovar institucionalmente o acordo. Falta agora a ratificação pelos parlamentos nacionais dos 27 países-membros. A maior resistência vem da França, onde setores agrícolas pressionam contra o pacto temendo competição com produtos sul-americanos — notadamente da agropecuária brasileira.
Nesse contexto, a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Paris ganha contornos estratégicos. A diplomacia brasileira tem buscado construir pontes com o governo de Emmanuel Macron, tentando desfazer percepções negativas sobre o Brasil em áreas como meio ambiente, rastreabilidade e sustentabilidade no campo. Lula leva consigo não só compromissos com práticas sustentáveis, como também a narrativa de que o Brasil precisa de mercados e parceiros — não de obstáculos.
Mais do que uma coincidência, a convergência de interesses é clara: enquanto a Europa enfrenta uma ameaça comercial concreta dos EUA, o Mercosul oferece acesso a um dos mercados mais dinâmicos do mundo em alimentos, energia e matérias-primas. A assinatura do acordo seria uma resposta concreta ao isolacionismo americano — e uma sinalização clara de que o multilateralismo ainda tem força no século 21.
Além disso, o momento é politicamente oportuno. Com eleições no horizonte europeu e crises internas nos EUA, firmar um acordo ambicioso com o Mercosul permite à União Europeia demonstrar protagonismo estratégico, tanto econômico quanto diplomático.
O Brasil, por sua vez, reforça seu papel como ator global confiável e defensor do comércio livre com responsabilidade ambiental. O agro brasileiro, motor da nossa economia, pode ser o grande beneficiado com o avanço do tratado, desde que haja contrapartidas estruturais que assegurem competitividade e valorizem os produtores nacionais.
Nesse xadrez global, a pressão externa pode ser justamente o fator que faltava para que o jogo vire a favor da integração entre Europa e América do Sul. A janela de oportunidade está aberta — e o Brasil tem em mãos as cartas certas para jogar.

Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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